"In vertebrate paleontology, increasing knowledge leads to triumphant loss of clarity"

A autoria da sentença acima é atribuída a Alfred Sherwood Romer, um dos maiores anatomistas de vertebrados fósseis de todos os tempos...

16 de dezembro de 2010

Os anfíbios fósseis da Quarta Colônia: Impressionantes animais aquáticos do Período Triássico no sul do Brasil

Publiquei este artigo de divulgação científica no Caderno da Quarta Colônia encartado em Zero Hora (apenas para a grande Porto Alegre) e no Diário de Santa Maria no dia 03 de Dezembro de 2010. Transcrevo o mesmo abaixo para os que tiverem interesse no assunto:

"A Quarta Colônia tem se tornado internacionalmente famosa pela comunidade científica por sua riqueza em vertebrados fósseis do Triássico (entre 250 e 205 milhões de anos atrás). Grandes predadores como, por exemplo, Prestosuchus chiniquensis, um “primo” dos dinossauros (recentemente um exemplar completo foi coletado em Agudo) são destaque constante na mídia impressa e televisiva. Dinossauros, cinodontes avançados (animais próximos ao grupo ao qual pertencemos, os mamíferos) e outros grupos também viviam na região. Um grupo menos conhecido e popular (porém não menos impressionante) também começa a ser registrado na Quarta Colônia. Nadando em corpos d água que ocorriam no Rio Grande do Sul durante o Triássico, alguns anfíbios gigantes, munidos de poderosos dentes, espreitavam suas presas (em sua maioria peixes). Eventualmente também saiam da água e ficavam preguiçosamente descansando. Os anfíbios passam por dois estágios de desenvolvimento durante sua vida: uma fase larval aquática (os girinos) e uma fase adulta que pode permanecer aquática ou se tornar terrestre. Hoje são representados pelos sapos, pererecas, salamandras e cobras-cegas. No passado, contudo, eram muito mais diversos. Alguns eram terrestres como os norte-americanos Eryops e Cacops. Outros retornaram ao ambiente aquático. Seus corpos tornaram-se achatados e perderam a ossificação dos punhos e dos tornozelos, que se tornaram cartilaginosos, um indício de que estes animais não podiam sustentar-se com eficiência fora d’água. Outra evidência de modo de vida aquático é o aparecimento de formas de focinho alongado (alimentação piscívora) como é o caso, por exemplo, de Bageherpeton, coletado em rochas de 270 milhões de anos no extremo sul do Brasil (no município de Aceguá no Rio Grande do Sul). Outras formas possuíam crânio parabólico. Este tipo de crânio se desenvolveu em animais grandes, dentre eles os chigutisaurídeos (encontrados em São João do Polêsine). Mesmo negligenciados pela mídia impressa e televisiva, os anfíbios do Triássico eram animais dos mais impressionantes que já habitaram este planeta. O tamanho destes variava desde formas minúsculas do tamanho de pequenas salamandras atuais (que hoje variam entre 27 a 325 mm de comprimento) até gigantes com corpos de mais de 6 metros de comprimento. Os Anfíbios do Triássico viviam em ambientes variados: terrestres, fluviais, pântanos e talvez até mesmo oceanos. Algumas espécies lembram a aparência de um jacaré atual. Contudo, o formato da cabeça e do corpo, bem como o tamanho das patas eram bastante variáveis. A posição dos olhos era quase sempre no topo da cabeça, o que permitia que ficassem com o corpo e a cabeça parcialmente submersos, mantendo os olhos para fora da água. Muitos tinham uma cobertura de escamas ósseas no abdômen, o que lhes servia como lastro para o mergulho, reserva de cálcio e proteção. Outros anfíbios do Triássico possuíam cabeça larga com olhos e narinas posicionados próximos às margens laterais do crânio. Essa morfologia sugere hábito de vida distinto das formas semelhantes aos jacarés. Esses animais deveriam ser predadores ativos, passando a maior parte do tempo submersos e indo à superfície apenas para respirar. Embora formas semelhantes a jacarés sejam comuns em depósitos de outras partes do mundo durante o Triássico, no Brasil (mais especificamente no Rio Grande do Sul) predominaram as formas de crânio largo. Recentemente publiquei, em co-autoria com o paleontólogo Sérgio Cabreira e o biólogo Lúcio Roberto da Silva, um artigo em uma revista científica australiana descrevendo fragmentos de um anfíbio coletado em São João do Polêsine, embora fragmentário o material sugere que esse animal tinha mais de cinco metros de comprimento. Mais recentemente, o achado de fragmentos de um pequeno filhote possibilitou o envio de um novo artigo (ainda em fase de avaliação para publicação) a importante revista científica americana onde o novo achado é descrito. Era um filhote de um chigutissaurídeo, que em idade avançada podia chegar a mais de 6 metros de comprimento. Esse novo material é muito delicado, e foi grande sorte recuperarmos o mesmo antes que fosse destruído pela erosão causada pelas chuvas intensas que ocorrem na região nas épocas de maior umidade. É uma nova espécie de anfíbio Triássico e os estudos demonstraram parentesco com uma espécie da Índia. O fato dos continentes estarem todos reunidos em uma única massa de terra (denominada Pangéia) durante o Triássico explica como duas espécies de locais tão distantes no presente podem ser parentes próximas. A propósito, ao final do Triássico esses impressionantes anfíbios declinaram até que desapareceram por completo durante o Cretáceo (época conhecida por seus inúmeros dinossauros). A fragmentação do Pangéia após o Triássico pode ser uma das explicações para o declínio desse grupo que tem hoje os sapos, rãs, pererecas, salamandras e cobras-cegas como sobreviventes."



Um abraço e boas festas a todos neste final de ano.

3 comentários:

  1. Impressionente. Parabéns! Muita informação! Abraço

    ResponderExcluir
  2. Gostei da matéria. E o melhor é que sou natural desta pequena cidade (São João do Polêsine), onde atualmente será o museu para estudos destes animais fossilizados. Sou professora de geografia e gosto muito de estudar os fósseis.
    Parabéns, muito importante para nossos futuros alunos este tão riquíssimo conteúdo.

    ResponderExcluir
  3. Adorei a matéria, sou natural de Faxinal do Soturno e quando estudava lá era comum o achado de material fossilizado, sem a devida investigação acabavam sendo descartados... Existem várias histórias sobre estes fatos na região. Atualmente sou sua aluna em Paleontologia Geral.
    Adorei sua aula...

    ResponderExcluir